A Ilha - FINAL
Acordei ensopada de suor. E por incrível que pareça eu me sentia muito melhor. Era como se tivesse tirado um longo cochilo. Apesar do calor, estava bem confortável. Confortável o suficiente para fechar os olhos e dormir outra vez. E então me lembrei de Lila.
– Richard! – berrei saltando do lugar onde estava deitada na esperança de tudo não ter sido um pesadelo.
– Estou aqui! – ouvi a voz de Richard vinda de um canto do quarto. Ou seja lá o lugar onde eu estava.
Esfreguei meus olhos na tentativa de enxergar melhor. Não estava identificando o lugar. E a pouca luz também não ajudava muito. Só pude notar que estava em uma cabana. E mais uma vez quase morri de susto quando o ser mascarado apareceu. Na penumbra sua máscara era ainda mais assustadora.
– Que bom que acordou! – o mascarado trazia uma tigela em suas mãos – Deixe-me dar uma olhada nesse seu ferimento.
– O que está acontecendo? – perguntei enquanto o mascarado se aproximava para me examinar.
– Já se esqueceu de tudo? – Richard estava imóvel – Esse doido nos sequestrou!
– Eu não te obriguei a vir aqui! – o mascarado falou sem desviar atenção da minha perna.
– Mas é claro que eu viria! – Richard se levantou – Você estava levando a Susi para sabe-se lá o que é este lugar.
– Este lugar é a minha tribo! – o mascarado não pareceu se ofender de verdade.
– Savite? – ouvi uma voz envelhecida vindo da entrada da cabana – Ela já está melhor?
– Sim, zabi! – Savite, o mascarado, virou o rosto para o zabi. Pude notar um longo cabelo loiro por trás da máscara. Estava preso com uma fita branca que parecia contornar toda a cabeça. – Estou vendo como está ficando a cicatrização.
Notei que o tal zabi também usava uma máscara que cobria quase todo o corpo. Era toda em tons de azul e vermelho. Tinha um longo nariz desenhado e uma boca pequena, mas cheia de dentes. Os olhos estavam fechados, como se estivesse fazendo uma prece. Encima da cabeça havia várias penas e as orelhas eram dois chifres parecidos com os de carneiros.
– Acha que ela se recupera rapidamente? – zabi se aproximou de mim.
– Acho que em um ou dois dias ela já estará totalmente recuperada. – Savite respondeu.
– Como assim um ou dois dias? – me assustei – Alias, fiquei quanto tempo desacordada?
– Exatamente cinco horas! – Savite respondeu enquanto molhava um pano na tigela em sua mão.
– Cinco horas? – gritei – Como assim cinco horas? E a Lila?
– Seu amigo rabugento já nos falou sobre a sua yvah. – Savite esticou minha perna delicadamente.
– Minha o que? – estranhei a palavra.
– Yvah! – Savite passou o pano molhado em meu ferimento. Gritei. Aquilo ardia demais – Yvah é como chamamos os... Como vocês dizem mesmo?
– Irmãos! – Richard resmungou.
– Isso! – Savite apertou o pano em minha perna. Soltei outro grito – Não se preocupe. Já mandei alguns homens irem atrás dela.
– Mas você nem a conhece! – agora eu quem resmungava.
– E por isso mesmo a acharemos mais rápido. – senti que Savite sorriu. Mas não da para ter certeza dessas coisas apenas pelo tom de voz – Como disse antes, não aparecem muitas pessoas diferentes por essa região. Na realidade vocês são as primeiras que vejo. Não creio que tenha outras espalhadas por ai.
– Agora o melhor que tem a fazer é descansar! – o tal zabi passou a mão em minha testa – Sua febre já abaixou. Isso é bom. Achei que Savite havia errado na dose do remédio.
– Zabi! – Savite pareceu aborrecido – Acha que sou um louco irresponsável? Jamais colocaria a vida de ninguém em risco!
– Vamos parar com essa conversa! – falei alto – Não estou gostando nada disso. Se puderem me dar licença, gostaria de conversar com o Richard a sós.
– Como queira! – Savite retirou o pano de minha perna. Um alivio.
Tanto Savite quanto o zabi se retiraram da cabana sem rodeios. Richard aproximou o lampião que estava no meio da cabana para mais perto de nós dois. Pude notar que o ferimento em minha perna já não estava tão horrendo. Estava bem mais claro e havia diminuído o tamanho.
– Conte-me tudo desde o início! – fui direto ao ponto.
– Ao que parece o primeiro efeito do veneno da tal coisa que te pegou era o desmaio. – Richard começou – E, como já deve imaginar, você desmaiou no colo desse aí.
– Atenha-se aos fatos! – dei um tapa no ombro dele – Sem implicâncias! – Richard não mostrou nenhuma reação, apenas continuou.
– Se te interessa saber, o nome da tal coisa que te mordeu é Gruco! – Richard revirou os olhos.
– O que foi? – perguntei.
– Nada! – Richard tentou disfarçar.
– O que houve? Você não faria essa cara por nada!
– Savite me deu uma aula sobre Grucos. – Richard fez careta.
– E qual o problema? – perguntei.
– Ele parecia um professor chato que eu tinha na época que cursei biologia!
– Richard – pensei em questiona-lo sobre essa história dele ser biólogo, mas desisti – Continue.
– Como dizia. Você desmaiou e ele saiu correndo com você pelas árvores – estava adorando as caretas que o Richard fazia enquanto contava isso.
– Pelas árvores? – provoquei – Tipo Tarzan e Jane? Que lindo! Pena eu estar desacordada. Sempre foi o meu sonho ser carregada por um homem másculo e selvagem.
– Que sonho podre! – Richard continuou suas caretas – Mas eles não tem nada de selvagem. Alias, isso me surpreendeu. Eles tem uma verdadeira civilização perdida!
– Como assim? – fiquei curiosa.
– Venha! – Richard me pegou no colo.
– O que é isso? – quase gritei – Virei mocinha indefesa?
– Não diga nada! – Richard fez sinal de silêncio apenas com a boca – Veja com seus próprios olhos.
Quando Richard me tirou da cabana eu fiquei completamente perplexa. Aquilo não podia ser real. Era uma verdadeira cidade. Casas de pedras e tijolos, pequenas pirâmides, estátuas, praças. Tudo com muita cor, muita vida. Mesmo estando de noite, pude sentir a energia daquelas cores.
Olhando melhor notei muitas pessoas mascaradas. Cada uma com um estilo diferente, mas todas igualmente apavorantes. Pelo que notei apenas as mulheres e crianças não usavam máscaras. Mas, em compensação, as mulheres usavam algo semelhante a uma coroa, com muitas pedras coloridas. Seriam preciosas? Usavam ainda algo que escondia o nariz e colares que tapavam todo o busto. E também usavam tangas. A única diferença era que as tangas das mulheres eram maiores e mais largas que as dos homens. As crianças eram as únicas que não usavam nada. Tinham o rosto e partes do corpo pintados e nada mais.
– Susi! – Savite gritou enquanto corria em minha direção – O que está fazendo fora da cama? – Savite me tomou do colo de Richard, que não gostou nenhum pouco.
– Vocês estão pensando que sou uma bola de tênis para ficarem me jogando de um lado para o outro? – briguei – Deixe-me ficar de pé!
– Mas nem pensar! – Savite entrou na cabana – Você está sob meus cuidados. Não pode sair da cama!
– Então poderia ter me levado para um lugar melhor! – reclamei – Vi que vocês tem instalações melhores do que essa aqui.
– Eu até tentei te levar para minha casa, mas esse seu amigo não deixou. – Savite apontou para Richard com os olhos.
– Eu nem te conheço. – Richard quase cuspiu – Acha mesmo que deixaria a Susi ir para sua casa?
– Richard! – falei alto – Que vergonha!
– Mas não tem importância. – Savite me pôs na cama novamente – Amanhã mesmo você vai lá para casa.
– Não vai não! – Richard berrou.
– Richard! – falei calmamente – Sei que já estava se acostumando com apenas nós dois. Eu também já estava acostumada a viver apenas com a Lila e estranhei bastante quando você chegou. Mas esse não é o momento para ciúmes.
– Ciúmes? – Richard quase gaguejou – Faça como quiser. Só não se esqueça que tem uma onça e mais sabe-se lá o que rondando por aí.
– Onça? – Savite estranhou.
– Onça sim! – Richard provocou – Vai me dizer que não sabe da onça, senhor sabe-tudo?
– Não sabemos se é uma onça. – situei Savite – Mas quando estávamos do outro lado da ilha achamos algumas pegadas enormes, mas nunca a encontramos a sua dona.
– As pegadas se pareciam com isso aqui? – Savite rapidamente retirou um pequeno pote marrom de sua máscara, molhou o dedo e desenhou em sua outra mão uma pegada.
– Era exatamente assim! – estava surpresa com a semelhança.
– Então ela voltou! – Savite quase perdeu a voz.
– Ela quem? – Richard fez cara de espanto.
– Tajita! – Savite parecia ter medo de pronunciar esse nome – Não acredito que iremos começar tudo de novo!
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