terça-feira, 13 de março de 2018

A Ilha || Capítulo 02



A Ilha


Subi para o meu quarto e procurei algo para vestir. Estava morrendo de raiva. Mas morrendo de raiva mesmo. Dois anos tendo a liberdade de andar como bem entendo, para agora ter que vigiar o que visto por conta de um tarado. E ele nem tentou disfarçar.
As minhas roupas sempre foram bem... Confortáveis. Estava difícil achar algo que pudesse tapar tudo o que tem que tapar em qualquer posição que eu me encontre. Cheguei a cogitar as roupas da Lila, mas apesar de ainda estar em forma, a Lila era bem mais magra que eu.
No fim da tarde eu acabei conseguindo encontrar uma calça marrom. Era do meu pai. Ficou um pouquinho folgada em mim, mas apertei bem o cinto e acabou servindo. Foi até melhor ela ser um pouco larga, assim não marcava o meu corpo.
Amarrei um pano velho nos meus seios. Não era algo muito confortável, mas por hora serviria. Pelo menos enquanto eu não apertasse todas as minhas camisas.
– Essa mudança toda foi por minha causa? – Richard perguntou debochado.
– Deixe de ser engraçadinho! – fiz cara de poucos amigos.
– Não precisa se preocupar tanto assim comigo. – ele sorria – Eu não sou um tarado.
– Claro que não. – ironizei.
– O jantar está na mesa! – Lila chamou da cozinha.
– Já estou indo. – respondi – E as folhas secas?
– A Lila me ajudou a capturar algumas.
– Capturar? – tive que rir – Folhas secas? E elas não te atacaram?
– Sabia que para uma mulher turrona você até que faz muitas piadinhas? – ele fez careta.  
– O jantar vai esfriar! – Lila apareceu na sala.
– Já estou indo! – resmunguei.
– Rich – Lila já estava íntima dele – Eu já arrumei o lençol para amarrar com as folhas. Não vai ser grande coisa, mas é melhor que o chão duro.
– Deve ser! – ele sorriu.
– Agora vamos jantar? – Lila intimou a todos.
 
Não falamos uma única palavra durante todo o jantar. Era quase como se todos nós fossemos mudos. Até mesmo a Lila que sempre foi falante, desta vez, se calou. Não sei se foi por falta de assunto ou se ela havia percebido o clima. Mas ela não aguentou por muito tempo.
– Eu sei que algo muito estranho aconteceu enquanto eu fazia o jantar. – Lila colocou os cotovelos na mesa – E eu exijo que me expliquem o que aconteceu!
– Como? – me assustei.
– Susi – Lila suspirou – Você é muito briguenta. O que foi que você fez?
– O que eu fiz? – fiquei irritada – Pergunte o que ele fez!
– Certo – Lila deu um sorriso – Pelo menos desta vez a culpa não é minha.
– Veja – Richard começou a se explicar – Eu não tenho culpa se sua irmã gosta de andar quase nua pela floresta a fora.
– Então foi isso? – Lila suspirou estranhamente aliviada – Susi, eu já te falei que o fato de estarmos perdidas aqui não quer dizer que devemos nos transformar em selvagens.
– Selvagens? – achei graça – Está bem! Terminei meu jantar. Para mim já chega.
– Ela é sempre nervosinha assim? – Richard não parava de debochar.
– Com o tempo você se acostuma! – Lila deu dois tapinhas nas costas de Richard – Quem sabe você até não fique aqui de vez.
– Mas nem por um...
– Susi! – Lila me interrompeu – Sabe que não gosto de palavrões!
– Eu não ia dizer um palavrão! – fiz cara de desdém.
– Não era o que parecia. – Richard quase gargalhou.
– Espero que a onça lhe encontre e te devore! – falei me levantando da mesa.
– Onça? – Richard mudou sua expressão – Aqui tem onça?
– Não exatamente. – Lila se preparava para explicar.
Quando chegamos a essa ilha, dois anos atrás, ouvíamos durante a noite barulhos estranhos. Rugidos altos, zangados. Alguns dias depois eles pararam, mas não por muito tempo. De mês em mês ela retorna, passa uma semana na ilha, rugindo, e depois vai embora. Nós nunca a vimos, nem mesmo de longe. Nem eu e nem a Lila sabíamos se era de fato uma onça, mas eu acredito nesta hipótese. E o dia de sua chegada estava se aproximando.
– Espere! – Rich interrompeu – Isso aqui é uma ilha, certo?
– Sim! – respondi – Já rondamos toda a região. Sem chance de ser outra coisa.
– Mas você disse que ela vai embora. – ele levantou uma sobrancelha – Como?
– Nós também não sabemos. – Lila respondeu por mim – Já procuramos por essa ilha inteira e nunca a encontramos.
– É como se ela simplesmente desaparecesse. – complementei.
– Desaparecesse? – ele continuava espantado – Como se fosse mágica?
– Exatamente! – respondi.
– Mas isso não existe! – Rich parecia não saber o que pensar.
– Eu sei – sentei novamente – e isso é o mais estranho. Uma onça não sairia simplesmente da ilha e nem teria condições de voltar depois. Mas não consigo acreditar em algo sobrenatural.
– Mas e se for? – Rich deixou um clima de suspense no ar. Parecia cena de filme.
– Eu acho melhor nós irmos dormir! – Lila estava com os olhos arregalados – Essa história está me deixando com medo.
– Lila! – tive que rir – Não seja criança! Essas coisas não existem!
– Será que não? – Rich insistia na hipótese.
– Pare! – quase gritei – Nem bem chegou e já está querendo virar essa ilha de cabeça pra baixo!
– Eu só estou tentando encarar os fatos. – ele se defendeu.
– Acontece que não temos fato algum. – falei zangada – Agora pegue o seu saco de folhas secas e se arrume na sala. Lila e eu iremos subir. E não se esqueça de acordar cedo!
Apesar de estar zangada com o Rich por vários motivos, não pude deixar de pensar no que ele disse. Não haviam muitas explicações lógicas para o que acontece nesta ilha todo inicio de mês. E quando uma coisa não tem uma explicação lógica, talvez a única explicação seja fora do que entendemos por lógico.
Afastei os pensamentos. Isso não era nada bom. Talvez a onça apenas se esconda muito bem. Já se passaram dois anos desde que “desembarquei” nesta ilha e nada de ruim aconteceu. Não seria agora que iria acontecer.
Acordamos assim que o sol deu seus primeiros sinais de vida, iluminando toda a montanha. Não queria perder nenhum segundo.
– Acorda logo, Bela Adormecida! – chutei de leve a barriga de Rich. Ele não acordou.
– Seu preguiçoso! – berrei em seu ouvido – Está pensando que isso aqui é colônia de férias? Vamos tratar de levantar imediatamente!
– Que foi? – ele resmungou – Resolveu madrugar?
– Estamos em uma ilha que sequer está no mapa. – continuei berrando – Aqui se acorda cedo para aproveitar a luz do sol! Ou você prefere subir aquela montanha no meio da noite.
– Então foi verdade? – Rich começava a acordar.
– Não diga que achou que fosse um sonho? – briguei, mas logo tentei me redimir – Quanto a isso eu não posso te julgar. Até hoje tem certas manhãs que eu acordo pensando se não foi tudo um sonho. – respirei fundo – Muito bem, já vimos que tudo foi real. Agora levanta já daí ou te dou outro chute em um lugar que você não vai gostar.
– E bom dia para você também! – Rich já começava com as ironias.
– Você não dá uma trégua! – Lila já estava preparando café.
– Vem cá – Rich ainda coçava os olhos – Onde fica o banheiro?
– Sério mesmo que você está me fazendo essa pergunta? – dei uma leve gargalhada.
– O que foi? – Rich estava assustado – Vou ter que fazer no matinho?
– Bem vindo à selva, Richard! – gargalhei ainda mais.
– Fala sério! – ele saiu resmungando para fora de casa.
– E se for fazer o número dois, tome cuidado com a folha que for escolher! – gritei da janela.
– Muito bem – Lila sorria – está tudo pronto!
– Excelente! – sentei a mesa – Estou morrendo de fome.
– Espere! – Lila quase berrou – Temos que esperar o Rich voltar.
– Sério isso? – bufei.
– Você às vezes é tão grossa! – Lila deixou sua voz em um tom de repressão.
– E você às vezes me irrita. – fiz careta – E olha que não são poucas vezes.

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